Este artigo foi adaptado da matéria impressa da AQ sobre a pirataria na America Latina | Leer en español | Read in English
Que ano foi 2018 para a área criativa da latino americana: o mexicano Alfonso Cuarón tem chances de ganhar o Oscar de melhor filme por Roma. Os três músicos que mais tocaram no YouTube em todo o mundo foram dois porto-riquenhos e um colombiano. Artistas que fazem parte da história passada (a brasileira Tarsila do Amaral) e contemporânea (a cubana Tania Bruguera) foram celebrados em museus e galerias de Nova York, Londres e outros países.
De fato, o talento artístico da América Latina há muito é venerado em todo o mundo. Mas a região deixa muito a desejar quando se trata de proteger o trabalho de sua classe artística, seus cineastas, compositores e designers. Novas tecnologias tornam cada vez mais fácil para criminosos, muitas vezes com ligações a gangues internacionais, roubar ou falsificar a obra desses artistas. A menos que os governos comecem a tratar mais seriamente o roubo de propriedade intelectual, a região será privada de futuros tesouros culturais — e um motor crucial para as economias latino-americanas do século XXI.
Alguns leitores podem ver essa afirmação como um exagero. Na região mais violenta e desigual do mundo, a pirataria é frequentemente descartada como um crime sem vítimas e até mesmo justificável. Roubar um sinal de TV a cabo, ou comprar uma camiseta de futebol falsificada, é algo visto como um problema das grandes empresas. Afinal, elas não têm condições de “perder” vendas para alguns clientes, especialmente aqueles que são pobres demais para pagar o preço do produto original?
Mas como nossa reportagem especial mostra, o problema, no entanto, é muito mais complicado — e insidioso. A chamada “caixa de TV” exibida em nossa capa, um aparelho ilegal que permite aos consumidores assistir a qualquer conteúdo de vídeo — incluindo o filme Roma, da Netflix — por uma taxa única de cerca de R$ 500, é uma verdadeira emergência para as indústrias do cinema e TV. Visite qualquer feira de rua das cidades latino-americanas e você verá que muitos dos consumidores que compram os produtos pirateados são da classe média ou alta, e não pobres. E bens pirateados respondem por até 2% do PIB da região, de acordo com o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.
O efeito negativo disso em inovação é assustador. A chamada economia “laranja” ou economia criativa da região emprega cerca de 10 milhões de pessoas, mas o potencial é certamente maior. O presidente colombiano Iván Duque quer dar impulso à economia proveniente do setor criativo do país, para que ela cresça muito além dos atuais 3,3% do PIB — ante uma média global de 6%. Ele acredita que isso ajudará o país a ser menos dependente de commodities. A estratégia poderia ajudar a proteger trabalhadores de tendências futuras; é difícil imaginar robôs tirando os empregos de gente como Shakira, Bad Bunny ou os mariachis que cantam na Plaza Garibaldi, na Cidade do México.
Este é o momento para os governos agirem. Não há solução fácil, e punir os consumidores parece ineficaz. Mas algumas medidas podem ajudar: o bloqueio de sites na internet conseguiu reduzir o consumo de TV pirateada na Espanha, enquanto o Brasil já reduziu sua dependência de software pirata pela metade desde os anos 80. Os países devem pressionar a China, fonte de dois terços dos produtos falsificados no mundo, a combater a pirataria. Um aumento nos orçamentos da alfândega e da polícia também ajudaria. Com um passo de cada vez, a pirataria pode ser tratada como o crime sério que realmente é.