Este artigo foi adaptado da reportagem especial da AQ sobre o crime organizado transnacional | Read in English | Leer en español
Além da Netflix, dos serviços de entrega de alimentos e dos fabricantes de papel higiênico, a lista de negócios que se beneficiaram da COVID-19 também inclui o crime organizado. Organizações como o Primeiro Comando da Capital, ou PCC, de São Paulo, e o Cartel de Sinaloa, do México, estão se aproveitando de governos distraídos e de uma população desesperada para aumentar seu controle sobre setores da economia, estruturas políticas e, muitas vezes, territórios.
A história de cartéis que enriquecem com o tráfico de drogas nas Américas não é nova – ela existe há pelo menos 40 anos e, embora os nomes e as lideranças mudem, os temas de oferta abundante e uma demanda que só cresce (e que ainda vem principalmente do Estados Unidos) são uma triste constante. Mas agora há sinais de que a pandemia realmente pode ter sido um ponto de inflexão, criando dores de cabeça de longo prazo para todos os governos, incluindo a nova administração de Joe Biden.
Grupos criminosos prosperam principalmente em áreas onde os moradores os veem como uma alternativa mais eficaz e cuidadosa ao Estado. À medida que o vírus se espalhava, muitas organizações do crime organizado impuseram medidas de isolamento no México, distribuíram comida em El Salvador e implementaram toques de recolher no Rio de Janeiro. Esse grupos contrabandearam equipamentos necessários para combater a pandemia, como máscaras cirúrgicas, testes e desinfetantes. Alguns temem que essas organizações tentem controlar a distribuição das vacinas.
A COVID-19 também causou um aumento no desemprego, elevando o número de jovens latino-americanos que não estudam nem trabalham, que já somava mais de 20 milhões antes da pandemia. Depois de registrar uma contração de 8% em média em 2020, as economias da região devem registrar uma recuperação de apenas 3,5% neste ano, segundo previsões — o que significa que a miséria vai persistir. Isso provou ser um terreno fértil de recrutamento para o crime organizado na Colômbia e provavelmente em outros lugares. Com menos pessoas nas ruas, algumas facções se diversificaram ainda mais no crime digital.
É um quadro preocupante e, embora na AQ nos consideremos otimistas, esta é uma área onde francamente vemos poucas chances de grandes mudanças. No governo Biden, com um Congresso americano dividido, uma reforma na estratégia da “guerra às drogas” parece improvável. Alguns governos não parecem considerar o combate ao crime organizado uma prioridade. Outros, como o da Venezuela, são hoje rotulados de narco-Estados. O resto está simplesmente sobrecarregado demais.
Nesse sentido, o foco provavelmente deve ser colocado no gerenciamento das consequências. Isso significa melhor coordenação entre os governos e militares do hemisfério, bem como a adoção de uma estratégia similar a da polícia brasileira, que vem desmantelando os esquemas de lavagem de dinheiro de organizações criminosas. Medidas econômicas para atenuar o aumento da desigualdade também podem ajudar. Essas etapas são mais medidas paliativas do que uma cura — mas na era da COVID-19, essa talvez seja a única saída possível.