Este artigo é parte da edição especial da AQ sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia | Read in English
BELÉM, Pará — Durante décadas, a Amazônia brasileira foi vista por observadores internacionais como uma área com enorme potencial econômico, rica em biodiversidade e desabitada. Essa Amazônia “despovoada” poderia ser ocupada e desenvolvida — apesar do reconhecimento da presença de “alguns” povos indígenas.
Para corrigir essa visão distorcida, os povos da floresta tiveram que se organizar. Eles lutaram para afirmar a diversidade humana da região, bem como suas tradições ancestrais de respeito ao meio ambiente. Hoje, os debates sobre sustentabilidade na Amazônia reconhecem como os povos indígenas e comunidades tradicionais como os quilombos têm preservado a floresta até agora. Ainda assim, as comunidades afro-brasileiras têm sido historicamente negligenciadas tanto na Amazônia urbana quanto rural. Depois da Bahia, os estados do Amazonas e Pará abrigam o maior número de afro-brasileiros do país. Quase 50 mil escravos foram trazidos para a Amazônia entre 1755 e 1820, de acordo com o livro seminal de Vicente Salles, O Negro no Pará. Na verdade, o Pará tem o maior percentual de pessoas que se identificam como negros e pardos entre todos os Estados brasileiros. Essas estatísticas impossibilitam pensar na Amazônia brasileira sem considerar a presença significativa dos negros, muitos deles jovens e em condições de vida vulneráveis.
Junto com o racismo, as comunidades negras rurais enfrentam a degradação ambiental infligida por abordagens predatórias de desenvolvimento. Mesmo assim, a luta dos afrodescendentes — uma luta pelos direitos à terra e contra a discriminação — tornou-se um movimento poderoso. O Pará tem uma das maiores concentrações de quilombos do Brasil, com cerca de 125 comunidades, embora apenas a metade possua títulos de terra. E o racismo institucional persiste. Na última década, os recursos federais para os quilombos foram reduzidos em 90%.
Ao mesmo tempo, o preconceito racial contra o negro é observado em sua total força de expressão nas áreas urbanas da Amazônia. As mulheres negras são especialmente afetadas pela discriminação no local de trabalho, mas o monstro do racismo realmente mostra suas garras nas áreas de saúde, moradia inadequada e falta de saneamento básico. A violência policial contribui para o genocídio da juventude negra, enquanto o racismo nas escolas destrói a autoestima das crianças negras e contribui para a evasão escolar. Seguidores de religiões afro-brasileiras, por sua vez, estão sendo abertamente vilificados pelos líderes de igrejas pentecostais, que são encorajados por declarações do atual presidente do país. Isso já levou a ataques violentos e até assassinatos.
Grupos de ação coletiva como o Centro de Estudos e Defesa dos Negros do Pará, ou CEDENPA, têm me ajudado, pelo menos momentaneamente, a superar a dor acumulada pelo racismo implícito e explícito que enfrento como mulher negra, professora, jornalista e hoje líder da Coordenadoria Antirracismo da Prefeitura Municipal de Belém. Os movimentos coletivos nos permitem superar a desumanização diária que vivenciamos como pessoas negras.
Os esforços cooperativos nos permitem enfrentar o racismo estrutural. Podem também nos permitir construir novas relações sociais e econômicas a partir de um modelo de desenvolvimento justo, solidário, que respeite os diferentes estilos de vida e identidades raciais. Porém, para que a Amazônia seja verdadeiramente sustentável, a população negra deve ser incluída nessa nova abordagem. Os movimentos negros do Pará já estão fazendo esse trabalho árduo ao lado de pesquisadores, historiadores e lideranças religiosas progressistas.
A superação do racismo, a construção da sustentabilidade e o desenvolvimento de uma nova ordem econômica devem ser processos coletivos que permitam à população negra — em toda sua diversidade — escolher seu destino e se engajar em uma economia regional voltada para um novo paradigma de qualidade de vida.