Este artigo foi adaptado da reportagem especial da AQ sobre alcançar a igualdade de gênero | Leer en español | Read in English | Assista uma conversa com Trajano aqui.
Em 2017, Luiza Trajano — a empreendedora que transformou uma pequena loja familiar no Magazine Luiza, uma das maiores redes varejistas do Brasil — recebeu um recado terrível de sua equipe: a gerente de uma de suas lojas havia sido esfaqueada até a morte pelo ex-sócio, enquanto o filho de oito anos dormia no quarto.
“Doeu, e pensei comigo mesma, será que eu poderia ter feito algo? E prometi que a morte dela não seria em vão.”
Trajano já era defensora ardorosa dos direitos das mulheres. Quatro anos antes, ela havia fundado uma organização apartidária, o Grupo Mulheres do Brasil, para promover iniciativas de apoio à igualdade de direitos e o combate à violência doméstica. “Participei de debates e painéis — achava o tópico incrivelmente importante, mas nunca o tinha sentido como algo muito próximo”, diz Trajano à AQ.
Poucos dias após o feminicídio, a empresa montou um grupo consultivo de funcionários — um comitê com advogados, promotores e ONGs que atuam nessa área. O Magazine Luiza também lançou o Canal Mulher, uma linha interna de atendimento a funcionários, com profissionais treinados e prontos para acionar um sistema de apoio, incluindo acesso a profissionais de saúde mental, autoridades ou apoio jurídico — e até mesmo realocação quando necessário.
Conseguir a adesão dos funcionários era uma grande prioridade para que o Canal Mulher desse certo. “No dia seguinte, depois de criarmos essa linha direta, eu estava na TV Luiza (canal de TV interna da empresa) conversando com todos os funcionários, como faço semanalmente. E convoquei os funcionários homens para nos ajudar. A resposta foi incrível”, diz Trajano.
“Recebemos ligações de colegas das vítimas, porque essas pessoas sabem que não vamos forçá-las a ir a público ou nada parecido, vamos apenas protegê-las.”
Desde seu lançamento, em 2017, o Canal Mulher já atendeu 420 mulheres, tirando-as de situações de perigo. “Tivemos que realocar uma funcionária para outro estado no meio da noite”, diz Trajano.
A etapa seguinte foi descobrir o que funcionários da empresa sabiam sobre assédio. Executivos e gerentes do Magazine Luiza foram instruídos a se reunir com suas equipes e fazer perguntas diretas: o que achavam que era assédio, como se sentiam a respeito, que tipo de ambiente de trabalho gostariam de ter.
Como resultado, eles coletaram 18.000 respostas que foram compiladas por um provedor de pesquisas em um relatório que passou a ser usado como base para treinamento de equipe.
“Uma das principais descobertas foi que chamar (assédio) de piada ou ‘apenas uma brincadeira’ era algo muito comum”, diz Trajano. “E perguntávamos a eles, e se fosse sua filha?”
A pandemia acelerou o projeto, e o Magazine Luiza ampliou seu alcance para ajudar clientes vítimas de abuso doméstico. O aplicativo da empresa, que conta com 26 milhões de usuários registrados, tem um botão que permite que usuários conectem-se com a linha direta da polícia, o 180, enquanto fingem que estão fazendo compras online.
Trajano diz que o simples fato de uma empresa ter uma política clara já pode ser um impedimento ao comportamento criminoso. “Tivemos casos concretos de homens que apareciam nas lojas para assediar suas companheiras, mas agora eles desapareceram.” E o assédio, dentro ou fora do trabalho, é causa de demissão imediata de funcionários, algo que Trajano chamou de “não negociável”.
Embora legislação, políticas públicas e aplicação da lei sejam necessárias para combater e punir a violência doméstica, a experiência de Trajano mostra que o setor privado pode desempenhar um papel crítico. E ela quer que outros líderes empresariais entrem em ação.
“Não custa muito manter um sistema. Senti que precisava ligar para outros líderes e mostrar a eles a importância de uma empresa ter uma ferramenta interna”. E ela fez exatamente isso, mas na forma de uma surpresa. Convites para uma visita guiada ao LuizaLabs, o braço de inovação digital do Magazine Luiza, foram enviados a 200 presidentes de empresas. “Todo mundo quer ver o laboratório”, diz Trajano, com um sorriso no rosto.
“Eu os convidei para o café da manhã, mas também havia umas lembrancinhas”, disse. O comitê criado para desenvolver iniciativas viáveis elaborou um manual com cinco passos que as empresas podem dar para proteger suas funcionárias. Cada executivo recebeu um exemplar do manual e todos participaram de uma palestra com Maria da Penha, a sobrevivente que dá nome à lei brasileira de violência doméstica. “Mas também mostrei o laboratório a eles”, diz Trajano, rindo.
Trajano diz que entrar em ação não é apenas uma questão humanitária, mas também melhora o ambiente de trabalho para homens e mulheres, e ajuda a melhorar o relacionamento com os clientes. “Especialmente depois que começou a pandemia, as pessoas passaram a procurar empresas que são socialmente responsáveis”, diz ela.
“E estamos dispostos a ajudar”, acrescenta. “Ajudamos muitas outras empresas no Brasil a construir seus sistemas. Todos nós temos responsabilidade sobre isso.”