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Repressão aos homicídios: o que funciona e o que não funciona

Reading Time: 11 minutesÀ medida que novos presidentes são eleitos em toda a América Latina em 2018, a expectativa é que eles tentem estabelecer políticas eficazes para reduzir o homicídio
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Cris Faga/Nurphoto via Getty Images

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Este artigo foi adaptado da matéria impressa da AQ.

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À medida que novos presidentes são eleitos em toda a América Latina em 2018, a expectativa é que eles tentem estabelecer políticas eficazes para reduzir o homicídio. Apresentamos aqui uma lista de opções, compiladas pela AQ em consulta com especialistas em segurança da região. Muitas claramente funcionam. Outras podem ter efeitos positivos na sociedade, mas seu impacto na taxa de homicídios ainda não está claro. Uma obviamente fracassou. No geral, anos de experimentação e pesquisa fornecem um quadro nítido do que os governos deveriam fazer – ou não.

Controle de armas | Reforma das polícias | Mobilização militar | Campanhas específicas de gênero | Policiamento inteligente | Policiamento comunitário |  Liberalização das drogas | Mediação de conflitos

Controle de armas 


O que é

Aumentar a idade legal para comprar uma arma de fogo, restringir como e onde cidadãos civis podem portar armas e implementar programas que incentivem o desarmamento voluntário, entre outras táticas.

Quem tentou

Brasil: O Congresso aprovou uma lei de desarmamento restritiva em 2003 que dificultou a compra de armas de fogo e proibiu civis de portá-las em público. As vendas de armas caíram 90% de 2000 a 2008.

El Salvador: Em 2005, um programa-piloto em dois municípios impôs restrições à posse de armas e convidou proprietários de armas a entregar suas armas.

Colômbia: A cidade de Medellín implementou o Plano Desarme em 2004, que combinou um programa de desarmamento voluntário com campanhas culturais contra a posse de armas.

Resultados

Os resultados foram mistos nos dois municípios salvadorenhos, onde os homicídios diminuíram 49% e 47%, respectivamente, nos primeiros cinco meses, mas depois voltaram a subir. Medellín, por sua vez, reduziu sua taxa de homicídios em quase 50% em 2004, ano em que adotou o Plano Desarme. Os homicídios por armas diminuíram 11% no Brasil no ano após a implementação do chamado Estatuto de Desarmamento, de acordo com algumas estimativas, mas a taxa permanece em níveis alarmantemente altos.

Funciona? 

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Reformas internas das forças policias 


O que é

Concentra-se na redução da corrupção, estabelecendo padrões mais altos para os policiais e demitindo membros corruptos. Também pode incluir mudanças na política salarial e benefícios, ou treinamento de policiais.

Quem tentou

Honduras: Em seu primeiro mandato, o presidente Juan Orlando Hernández expandiu uma iniciativa de reforma da polícia que começou em 2012, estabelecendo uma comissão especial para “purgar e transformar a força “policial de cima para baixo em 2016. Outros esforços para modernizar a polícia nacional incluíram a inauguração de um novo campus para treinar policiais em 2016. Naquele ano, o orçamento para salários e aposentadorias da polícia aumentou em 52% -, assim como os requisitos para se tornar um policial. Os candidatos agora precisam de um diploma do ensino médio para entrar na força policial.

EUA: Depois de ficar em quinto lugar entre as cidades americanas com as maiores taxas de homicídio em 2012, Camden, no Estado de New Jersey, promoveu uma reforma em seu departamento de polícia, reorganizando sua equipe, melhorando os salários, e adotando o policiamento comunitário, com ênfase na transparência e construção de confiança entre cidadãos e oficiais.

Argentina: Em 1998, a polícia da província de Buenos Aires descentralizou, desmilitarizou suas forças policiais e reformulou o treinamento e recrutamento de policiais.

Brasil: Em 1995, o governador do Estado do Rio de Janeiro mostrou como não se deve reformular a política salarial da polícia. Quando ele ofereceu bônus a policiais que demonstrassem ”bravura”, os assassinatos por policiais de civis dispararam.

Resultados

O tipo certo de reforma pode produzir resultados positivos. Depois que Honduras iniciou a reforma”de sua polícia, a taxa de homicídios caiu 50% em menos de cinco anos. E em seu primeiro ano, a comissão de “purgação” de Hernández demitiu mais de 4.400 policiais da polícia nacional e os homicídios caíram 26%. Enquanto isso, na província de Buenos Aires, um novo governador em 1999 reverteu em grande parte o compromisso da polícia com as mudanças ‑ o que significa que a reforma da polícia não é imune à política.

Funciona? 

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Mobilização militar 


O que é

Instalar soldados armados nas ruas para combater o crime quando as forças policiais ficam aquém do esperado. Embora essa estratégia geralmente seja temporária, a presença do Exército pode continuar se as forças policiais não tiverem pessoal ou recursos suficientes para combater o crime de forma efetiva.

Quem tentou

México: Em 2006, o então presidente Felipe Calderón enviou forças armadas federais para combater o crime organizado em uma escalada acentuada da guerra ao tráfico de drogas. Seu sucessor seguiu o mesmo exemplo. O presidente Enrique Peña Nieto assinou uma lei polêmica em dezembro de 2017 que autorizava o exército a combater o crime doméstico.

Brasil: Em fevereiro, o presidente Michel Temer, que enfrenta baixos índices de aprovação, ordenou que os militares do Exército assumissem as operações de segurança do Estado do Rio de Janeiro, onde a violência aumentou em 2017. Foi a mobilização militar mais abrangente desde o fim da ditadura, em 1985.

El Salvador, Honduras, Colômbia e outros países também mobilizaram as forças do exército.

Resultados

Embora as pesquisas registrem altos níveis de confiança nas forças armadas na região, há mais evidências de que o envolvimento do exército no policiamento levam a um aumento das violações dos direitos humanos que a uma queda nos homicídios. De 2006 a 2010, as queixas contra o Ministério da Defesa do México pela comissão nacional de direitos humanos aumentaram 677%. Ao mesmo tempo, o uso do exército por Temer não resultou numa redução do crime. Nos primeiros quatro meses, os tiroteios e mortes envolvendo policiais aumentaram 36% e 34%, respectivamente, segundo estimativas de uma organização. 

Funciona? 

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Campanhas específicas de gênero 


O que é

Concentra-se nas ameaças específicas que as mulheres enfrentam com base em seu gênero. A região lidera o mundo em femicídios ou assassinatos baseados em gênero (veja na página 26). Em resposta, as campanhas que têm como alvo a violência baseada no género – muitas vezes em nível transnacional – proliferaram nos últimos anos.

Quem tentou

Toda a região: A campanha #NiUnaMenos visa conscientizar o público r e incentivar políticas para proteger as mulheres. Iniciado na Argentina em 2015, o movimento se espalhou pela região.

A Costa Rica aprovou a primeira lei da América Latina especificamente contra o feminicídio em 2007. Desde então, a maioria dos governos da região aprovou legislação semelhante.

Bolívia: Em 2011, a ONG Fundación Construir fez parceria com quatro comunidades rurais para aumentar a conscientização sobre a violência de gênero, fortalecer os serviços para as mulheres e capacitar mulheres para defender seus direitos.

México: Alertas de gênero são uma medida de emergência que o Ministério do Interior do México implementou em 2015 em municípios que enfrentam altos níveis de femicídios. Os alertas fornecem aos governos locais recursos federais para pesquisar e combater as causas da violência baseada em gênero.

Resultados

Movimentos populares como o #NiUnaMenos pressionaram os legisladores a aprovar ou reforçar políticas específicas de gênero, mas é difícil medir seu impacto. O número de femicídios registrados na Argentina registrou um recorde em 2013, um ano depois que uma lei de feminicídio havia sido aprovada. No México, especialistas pediram uma reavaliação dos alertas de gênero, já que as estatísticas mostram que os femicídios aumentaram tanto em nível nacional quanto nos Estados que incluem municípios no programa. Ao mesmo tempo, na Bolívia, o programa Construir treinou mais de 11 mil pessoas sobre a violência contra as mulheres, mas não há dados que mostrem seu impacto direto na taxa de homicídios de mulheres, que caiu no ano posterior ao projeto, mas voltou a aumentar.

Funciona? 

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Policiamento inteligente


O que é

Usa dados para melhor informar as políticas de combate ao crime. Por exemplo, um estudo recente de cinco países latino-americanos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento descobriu que metade de todos os crimes ocorre em apenas 3% a 8% dos quarteirões da cidade. Ao alocar recursos com base nos padrões geográficos de homicídios, a polícia pode ter maior probabilidade de impedi-los.

Quem tentou

Colômbia: O Plano Cuadrantes é uma iniciativa de policiamento comunitário lançada em oito cidades em 2010, que se baseia no extenso sistema de dados de criminalidade georreferenciados da polícia nacional.

Guatemala: Em 2016, o Ministério do Interior identificou os municípios mais violentos do país em uma estratégia de mobilizar recursos policiais onde eles eram mais necessários.

EUA: O sistema CompStat revolucionou o policiamento na cidade de Nova York, rastreando crimes maiores e menores e responsabilizando a polícia de acordo com esses dados.

Brasil: Em 1999, o Ministério de Segurança Pública de São Paulo introduziu o Infocrim, um banco de dados que mapeia crimes em tempo real.

México: Em 2008, a Cidade do México começou a usar um sistema digitalizado para rastrear e avaliar milhares de policiais.

Resultados

Um estudo na Colômbia descobriu que quando as unidades de patrulha estavam armadas com informações sobre quando e onde os crimes ocorreram no passado, os homicídios caíram 22%. Os homicídios na Guatemala caíram 4% de 2016 a 2017 e quase 16% nos primeiros quatro meses de 2018. O crime caiu 75% desde o início da CompStat e inspirou projetos como o Infocrim no Brasil e o sistema de desempenho policial da Cidade do México.

Funciona? 

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Policiamento comunitário


O que é

Prioriza as relações entre policiais e as comunidades que eles servem. Os moradores participam do processo de policiamento e são criados programas para estreitar os laços entre as forças policiais e a população em geral para prevenir o crime.

Quem tentou

Nicarágua: Alguns vêem o compromisso da Nicarágua de inovar no policiamento comunitário, incorporando programas de reabilitação de jovens e empoderamento das mulheres, como um legado da revolução do país em 1979.

Equador: Em 2011, o Equador começou a expandir sua força policial comunitária, enviando mais policiais para as comunidades a pé e de bicicleta, além de oferecer novo treinamento. O país mais que dobrou seus gastos em segurança, investindo US$ 83 milhões em dez novas unidades policiais comunitárias (UPCs). Em 2012, a polícia lançou um novo programa, permitindo que os usuários de telefones celulares se conectem com as UPCs locais digitando apenas uma única tecla.

Brasil: O programa Fica Vivo, iniciado em 2002 em Belo Horizonte, é uma prova de que as organizações não-governamentais podem ajudar a aliviar as tensões entre os jovens e a polícia. O programa oferece centenas de oficinas para pessoas de 12 a 24 anos e hoje atua em todo o Estado de Minas Gerais.

República Dominicana: O programa Barrio Seguro se concentra especialmente na construção da confiança entre a polícia e as comunidades nas áreas mais violentas de Santo Domingo.

Resultados

Apesar de ter o menor PIB per capita da América Central, a Nicarágua apresentou a menor taxa de homicídios da região em 2017. No mesmo ano, a confiança dos nicaraguenses na polícia foi ligeiramente superior a da média regional, embora possa recuar depois que a polícia reprimiu manifestantes este ano. A taxa de homicídios do Equador caiu de 15,4 assassinatos para cada 100 mil habitantes em 2011 para apenas cinco por 100 mil habitantes em 2017 ‑ a segunda taxa mais baixa da América Latina. O principal desafio do policiamento comunitário é garantir a adesão da polícia, que geralmente vê sua autoridade desafiada nesse tipo de programa.

Funciona? 

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Liberalização das drogas


O que é

Descriminaliza o uso de certas drogas, como a maconha. Considera-se que direcionar os recursos antes usados na criminalização das drogas para o combate aos homicídios e tratamento de dependentes químicos produz melhores resultados. Outra estratégia, a legalização total, pode privar os cartéis de financiamento.

Quem tentou

Portugal descriminalizou o uso de todas as drogas em 2001.

O Uruguai legalizou a produção, distribuição e consumo de maconha em 2013.

O México descriminalizou o porte de pequenas quantidades de certas drogas, incluindo maconha e cocaína, em 2009.

Brasil: Mudanças legislativas em 2002 e 2006 levaram à descriminalização parcial de drogas para uso pessoal, substituindo sentenças de prisão com tratamento obrigatório e serviço comunitário.

EUA: Dez Estados e Washington, D.C., permitem o uso recreativo da maconha, enquanto outros 20 Estados a permitem seu uso para fins médicos. A Califórnia, a maior economia do país, permite o uso recreativo da maconha.

(Veja a página 70 para uma visão mais ampla das políticas de drogas experimentadas na região.)

Resultados

A liberalização das drogas pode ter efeitos positivos, mas ainda não há evidências concretas de seu impacto sobre os homicídios. A descriminalização, por exemplo, ajudou Portugal a reduzir drasticamente as mortes por overdose e infecções por hiv e hepatite – mas não os homicídios. Um estudo descobriu que os assassinatos aumentaram 40% entre 2001 e 2006. Os homicídios no Uruguai aumentaram desde 2011 e o primeiro trimestre de 2018 registrou um recorde. Um ex-presidente disse que a legalização da maconha “banalizou” o uso de drogas em geral. Enquanto isso, nos EUA, um estudo descobriu que assassinatos relacionados a drogas caíram 41% nos Estados com leis que legalizam o uso da maconha e fazem fronteira com o México.

Funciona? 

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Mediação de conflitos


O que é

Intervenção entre indivíduos, gangues ou entre organizações criminosas e o governo. Nos dois últimos casos, essa mediação pode exigir concessões, muitas vezes impopulares.

Quem tentou

El Salvador foi testemunha de uma rara trégua, em 2012, entre sua maior gangue, Mara Salvatrucha (MS-13) e sua rival, o Barrio 18. O governo desempenhou um papel nos bastidores das negociações entre os líderes das gangues.

Colômbia: O polêmico acordo de paz do governo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que o Congresso promulgou mesmo depois de os eleitores o rejeitarem, mostrou como as negociações com um grupo criminoso muito odiado podem ser politicamente difíceis.

EUA .: Projeto Ceasefire (Cessar- fogo), em Chicago, que identificou e aconselhou indivíduos com alto risco de envolvimento com violência, inspirou a Cure Violence, uma ONG cuja missão é tratar a violência como uma epidemia. A Cure Violence se tornou um movimento global.

Jamaica: Lançada com financiamento do governo federal em 2002, a Peace Management Initiative (PMI, ou Iniciativa de Gerenciamento da Paz) trabalha para interromper ciclos de vingança entre membros de gangues rivais. Alguns dizem que o programa marcou a primeira vez que o governo pediu à sociedade civil para ajudar a conter a violência, reconhecendo o fracasso da repressão policial.

Venezuela: Muitos programas tentam prevenir a violência oferecendo alternativas, como o emprego, para homens em risco. O Projeto Alcatraz recruta voluntários, muitas vezes de gangues rivais, para um programa de dois anos que usa o trabalho físico e o rúgbi para isolá-los de influências negativas.

Resultados

A taxa de homicídios de El Salvador caiu em 50% depois da trégua, que acabou se desintegrando depois que a Suprema Corte retirou o ministro da Defesa que ajudou a intermediá-la. Depois que o Congresso aprovou o acordo de paz em 2016, a taxa de homicídios da Colômbia continuou a cair e atingiu seu ponto mais baixo em mais de quatro décadas. Um estudo examinou sete das regiões de Chicago que foram alvo do Project Ceasefire e descobriu que os tiroteios caíram em seis delas. Na Jamaica, o envolvimento da PMI em comunidades está associado a quedas na taxa des homicídios, mas os especialistas são cautelosos em dar crédito total ao projeto. O Projeto Alcatraz informa que seu trabalho ajudou a reduzir a taxa de homicídios do município em que atua em 79% nos primeiros dez anos.

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O’Boyle is a senior editor for AQ

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Brendan O’Boyle is a former senior editor at Americas Quarterly.

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