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18 na America Latina: Da favela para o mundo, através das redes sociais

Reading Time: 6 minutesComo Sabrina transformou seu amor por sua comunidade, seu jeito com as palavras e seu talento para comunicação em uma carreira de futuro.
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Calé Merage

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Sabrina assume o centro do palco. Sob pequenas luzes de Natal coloridas, com um sorriso largo e bochechas arredondadas moldando o rosto, ela parece ter menos que seus 19 anos. Mas quando começa a recitar sua poesia, sua voz entra na cadência dura do rap para contar uma história bem adulta, sobre uma jovem assassinada pelo próprio namorado no Alemão, a enorme favela da zona norte carioca.

No fim de seu breve show, a esbelta adolescente negra incendeia a multidão com punhaladas verbais contra o machismo, contra a violência policial na favela, contra o racismo: Basta, ela recita.

Para saber mais: Jovens como Sabrina controem comunidade, com ou sem a ajuda do governo.

Fora do palco, mesclando-se aos jovens descolados que frequentam a noite cultural da zona sul do Rio, Sabrina é toda sorrisos novamente, suas mãos flutuando alto enquanto fala, com um entusiasmo que contagia — uma adolescente de novo. Ela era uma das organizadoras do evento daquela noite e de muitas outras como essa, e fica claro que ela se sente à vontade na multidão diversificada que inclui jovens do Alemão, onde mora, e também cariocas mais afluentes.

Apesar das duras histórias que ela conta, ser de uma favela, morar na periferia do Rio, “é motivo de orgulho”, diz Sabrina. “Todo mundo ajuda todo mundo. É um modo de vida.”

Para saber mais: A América Latina precisa de mais mulheres e minorias criando, e não só usando, novas tecnologias.

Com suas tranças azuis e camiseta amarela brilhante na qual está escrito, “Meu nome é favela,” está claro que Sabrina tem um grande orgulho de sua comunidade. E mais: ela misturou esse amor com seu talento verbal para lançar uma carreira promissora como comunicadora e produtora cultural. Com um talento natural para as redes sociais, ela vem postando suas composições no Facebook, onde seus seguidores a conhecem como MC Martina. Cursos comunitários gratuitos em produção de documentários e design de sites deram a ela as ferramentas para contar histórias em outras plataformas, e recentemente Sabrina ganhou uma bolsa do governo para produzir um curta-metragem sobre o bairro. Ele será filmado e distribuído inteiramente através de celulares, para que seja mais acessível, diz ela. Ao batalhar por recursos e se esforçar, Sabrina já fez muito progresso na direção de construir o futuro que deseja. Mas ela vai precisar de muito mais que foco e cursos gratuitos para avançar além do Facebook e eventos culturais. O racismo, a violência, a desigualdade que ela denuncia em seus poemas — eles também fazem parte de sua realidade. São fatores que ameaçam tornar metas que já são difíceis em algo fora do alcance e transformam cada dia em uma luta para pela sobrevivência.

O Alemão é uma das áreas mais perigosas de uma cidade que viu a violência aumentar desde os Jogos Olímpicos de 2016, quando os olhos do mundo deixaram de prestar atenção. Os tiroteios entre policiais e membros de facções criminosas são rotineiros. Eles fecham escolas por vários dias e mantêm os moradores trancados dentro de casa. Quando a mãe de Sabrina se preocupou com o fato de que andar até as aulas de design de websites significava que a filha teria de passar em frente a homens armados, Sabrina concordou em fazer um desvio que aumentava a caminhada em 45 minutos. No dia em que ganhou o prêmio para fazer o documentário, ela estava apreensiva por um choque entre policiais e moradores da favela.

Para saber mais: O Complexo do Alemão e a falência da guerra contra o crime.

Há também os atos rotineiros de exclusão. Ela sabe que seus amigos brancos recebem mais ofertas de trabalho que ela quando se candidatam aos mesmos empregos, especialmente quando ela aparece com seus longos cabelos trançados. Ela sabe que os círculos do hip-hop — como o curso de design de sites — são em grande parte clubes de meninos. Mas isso não a impede de continuar. Em casa, a expectativa da família é que ela cuide da casa, além de ajudar com as contas. Sua mãe trabalha o dia todo como zeladora de escola. O padrasto e o irmão não fazem tarefas domésticas. Sabrina não discute. Ela faz o trabalho. E depois compõe raps sobre a experiência — enquanto planeja uma vida diferente.

Para saber mais: A educação que os jovens precisam para ter sucesso é muito cara. Mas há uma solução.

O caminho para a liberdade e a carreira que ela deseja é a faculdade — e a forma de chegar até ela é o ENEM, o rigoroso exame de admissão das universidades públicas do Brasil. Aqueles que podem, pagam por cursos de preparação e professores privados. Sabrina estuda sozinha à noite, depois de lavar a louça. Ela já fez a prova duas vezes e não passou, mas é persistente.

“Eu vou estudar mais”, diz ela. “Vou continuar tentando até conseguir.”

Dominguez é uma jornalista que vive no Brasil



Tags: Youth in Latin America
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