Sabrina assume o centro do palco. Sob pequenas luzes de Natal coloridas, com um sorriso largo e bochechas arredondadas moldando o rosto, ela parece ter menos que seus 19 anos. Mas quando começa a recitar sua poesia, sua voz entra na cadência dura do rap para contar uma história bem adulta, sobre uma jovem assassinada pelo próprio namorado no Alemão, a enorme favela da zona norte carioca.
No fim de seu breve show, a esbelta adolescente negra incendeia a multidão com punhaladas verbais contra o machismo, contra a violência policial na favela, contra o racismo: Basta, ela recita.
Para saber mais: Jovens como Sabrina controem comunidade, com ou sem a ajuda do governo.
Fora do palco, mesclando-se aos jovens descolados que frequentam a noite cultural da zona sul do Rio, Sabrina é toda sorrisos novamente, suas mãos flutuando alto enquanto fala, com um entusiasmo que contagia — uma adolescente de novo. Ela era uma das organizadoras do evento daquela noite e de muitas outras como essa, e fica claro que ela se sente à vontade na multidão diversificada que inclui jovens do Alemão, onde mora, e também cariocas mais afluentes.
Apesar das duras histórias que ela conta, ser de uma favela, morar na periferia do Rio, “é motivo de orgulho”, diz Sabrina. “Todo mundo ajuda todo mundo. É um modo de vida.”
Com suas tranças azuis e camiseta amarela brilhante na qual está escrito, “Meu nome é favela,” está claro que Sabrina tem um grande orgulho de sua comunidade. E mais: ela misturou esse amor com seu talento verbal para lançar uma carreira promissora como comunicadora e produtora cultural. Com um talento natural para as redes sociais, ela vem postando suas composições no Facebook, onde seus seguidores a conhecem como MC Martina. Cursos comunitários gratuitos em produção de documentários e design de sites deram a ela as ferramentas para contar histórias em outras plataformas, e recentemente Sabrina ganhou uma bolsa do governo para produzir um curta-metragem sobre o bairro. Ele será filmado e distribuído inteiramente através de celulares, para que seja mais acessível, diz ela. Ao batalhar por recursos e se esforçar, Sabrina já fez muito progresso na direção de construir o futuro que deseja. Mas ela vai precisar de muito mais que foco e cursos gratuitos para avançar além do Facebook e eventos culturais. O racismo, a violência, a desigualdade que ela denuncia em seus poemas — eles também fazem parte de sua realidade. São fatores que ameaçam tornar metas que já são difíceis em algo fora do alcance e transformam cada dia em uma luta para pela sobrevivência.
O Alemão é uma das áreas mais perigosas de uma cidade que viu a violência aumentar desde os Jogos Olímpicos de 2016, quando os olhos do mundo deixaram de prestar atenção. Os tiroteios entre policiais e membros de facções criminosas são rotineiros. Eles fecham escolas por vários dias e mantêm os moradores trancados dentro de casa. Quando a mãe de Sabrina se preocupou com o fato de que andar até as aulas de design de websites significava que a filha teria de passar em frente a homens armados, Sabrina concordou em fazer um desvio que aumentava a caminhada em 45 minutos. No dia em que ganhou o prêmio para fazer o documentário, ela estava apreensiva por um choque entre policiais e moradores da favela.
Para saber mais: O Complexo do Alemão e a falência da guerra contra o crime.
Há também os atos rotineiros de exclusão. Ela sabe que seus amigos brancos recebem mais ofertas de trabalho que ela quando se candidatam aos mesmos empregos, especialmente quando ela aparece com seus longos cabelos trançados. Ela sabe que os círculos do hip-hop — como o curso de design de sites — são em grande parte clubes de meninos. Mas isso não a impede de continuar. Em casa, a expectativa da família é que ela cuide da casa, além de ajudar com as contas. Sua mãe trabalha o dia todo como zeladora de escola. O padrasto e o irmão não fazem tarefas domésticas. Sabrina não discute. Ela faz o trabalho. E depois compõe raps sobre a experiência — enquanto planeja uma vida diferente.
O caminho para a liberdade e a carreira que ela deseja é a faculdade — e a forma de chegar até ela é o ENEM, o rigoroso exame de admissão das universidades públicas do Brasil. Aqueles que podem, pagam por cursos de preparação e professores privados. Sabrina estuda sozinha à noite, depois de lavar a louça. Ela já fez a prova duas vezes e não passou, mas é persistente.
“Eu vou estudar mais”, diz ela. “Vou continuar tentando até conseguir.”
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Dominguez é uma jornalista que vive no Brasil
Redes Sociais
O crescente acesso à internet e às redes sociais mudou a forma como os jovens brasileiros vivem e interagem uns com os outros. A geração do milênio no país agora passa uma média de quatro horas por dia na internet. Para aqueles que vivem em favelas ou fora das principais cidades, isso significa uma nova forma de se expressar e chamar atenção para as questões sociais que são mais importantes para eles. Mulheres afro-brasileiras como Sabrina têm um papel especialmente importante. O desafio agora é que jovens como ela passem do simples uso da tecnologia para sua criação, de modo que não apenas produzam conteúdo, mas também ajudem a construir novas plataformas para suas mensagens. Para que isso aconteça, o Brasil precisa investir mais em programas que promovam a diversidade no setor de tecnologia. .
— Silvana Bahia, diretora de programação da Olabi e coordenadora da Pretalab
Violência
O Alemão era considerado a sede de uma das principais facções criminosas do Rio. Como resultado, o bairro foi ocupado pelo exército e por forças policiais em 2010. O governo tentou introduzir um novo programa de segurança na área, mas sem planejamento ou recursos adequados, as forças de segurança nunca recuperaram completamente o controle do território ou ganharam o apoio dos moradores. Hoje, o Alemão representa o modelo da “guerra contra o crime” mais do que nunca. Policiais e moradores estão morrendo em confrontos frequentes. No estado do Rio de Janeiro, 920 pessoas foram mortas em confrontos com a polícia em 2016, um aumento de mais de 100% em comparação a apenas três anos atrás, quando foram registradas as mortes de 416 vítimas. Este é o ambiente que a Sabrina precisa navegar todos os dias.
— Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Preconceito
Durante mais de 120 anos, as autoridades do Rio deixaram as favelas crescer sem títulos de propriedade ou investimentos públicos. Essa política oficial de negligência manteve até hoje a estrutura segregada de uma sociedade escravocrata e alimentou o estigma que justificava manter esses bairros precários e desatendidos. Pessoas como a Sabrina estão mudando essa realidade a partir do zero. O Alemão tem dezenas de organizações inovadoras baseadas na comunidade. As favelas do Rio naturalmente possuem qualidades que os planejadores urbanos estão trabalhando para incorporar nas cidades. O modo de viver e o amor à comunidade que Sabrina expressa são um motor natural e uma consequência dessas qualidades. Moradores como ela estão construindo seu futuro — embora os afro-brasileiros tenham muito mais chances de serem mortos pela polícia ou presos, e seus salários sejam, em média, apenas 58% dos salários dos brancos. É preciso que seja feito muito mais para apoiar as comunidades nas favelas e seus moradores.
— Theresa Williamson, planejadora urbana, fundadora e diretora executiva da Comunidades Catalisadoras
Educação formal
Muitos jovens da América Latina acreditam que fazer faculdade é fundamental. O problema? As universidades são caras e muitas não garantem um emprego. Mesmo as instituições públicas exigem que os alunos dediquem tempo e dinheiro em exames de admissão, para depois levarem vários anos para se formar, enquanto o mercado muda rapidamente. Isso deixa companhias com vagas de emprego sem preencher e jovens sem formação adequada e sem emprego. Um a cada quatro jovens de 15 a 24 anos na América Latina e no Caribe não está estudando nem trabalhando; Três a cada quatro dos que trabalham estão no setor informal, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Precisamos de programas de treinamento que ofereçam as habilidades que são desejadas pelos empregadores. Isso pode ser feito em pouco tempo, com um investimento pequeno, tornando a experiência educacional mais relevante para estudantes como a Sabrina, e oferecendo seu talento de forma mais rápida para as empresas.
— Ana María Martínez, diretora de operações da Laboratoria