Este artigo foi adaptado da edição impressa da AQ sobre o combate à corrupção na América Latina. | Read in English | Leer en español
“Para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas um atacando as raízes.”
—Henry David Thoreau
Nos últimos cinco anos, investigações criminais na América Latina lançaram luz sobre esquemas de corrupção generalizados, chocantes e nas mais altas esferas da sociedade. Entre todas as investigações que nos permitiram compreender melhor o funcionamento dos sistemas corruptos da região, a operação Lava Jato é o exemplo mais proeminente: ela revelou como um grupo de empresas brasileiras (com escritórios e negócios em toda a América Latina) criou esquemas para o financiamento ilegal de campanhas, subornos, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Essas atividades se tornaram comuns em empresas e instituições públicas, moldando a forma como o poder econômico e político interagem na América Latina hoje.
Os defensores e líderes da sociedade civil, tanto no setor público quanto no privado, deram passos importantes para combater esse fenômeno. Vimos a promulgação e implementação de leis para reprimir a lavagem de dinheiro, regular o acesso à informação, incentivar a responsabilidade fiscal e muito mais. Em países como Brasil, Chile, México, Argentina, Colômbia e Peru, essas mudanças permitiram que ocorressem a Lava Jato e outras investigações de corrupção semelhantes. As leis promulgadas no início dos anos 2000, juntamente com medidas que deram mais autonomia e melhoraram as condições técnicas dos investigadores e promotores federais, ampliaram a capacidade das instituições de investigar e processar casos de corrupção. Em graus variados, os avanços das últimas duas décadas tiveram um efeito de replicação significativo em toda a região.
No entanto, o aumento dos níveis de responsabilização de autores de crimes de corrupção, através de investigações e processos, não necessariamente levará a região a práticas mais democráticas, éticas e responsáveis.
Os esforços punitivos de combate à corrupção baseiam-se na crença de que a corrupção é uma doença que afeta o sistema funcional do Estado. Portanto, é necessário encontrar remédios para essa disfunção sistêmica — aparar as folhas mortas e cortar os galhos doentes. No entanto, na maioria dos países latino-americanos, a corrupção não é uma doença que afeta instituições saudáveis: ela faz parte do funcionamento normal do Estado. Está na raiz. É o alicerce sobre o qual os Estados latino-americanos foram criados, com base em uma história de dominação, colonialismo e desigualdade.
A relação entre as elites políticas e produtivas explica o papel do Estado em permitir o florescimento da corrupção. Como apontado pelo sociólogo argentino José Luis Romero, se os grandes capitalistas de países da América Latina fossem investigados, e se alguém tentasse descobrir as origens das fortunas desses capitalistas e as oportunidades que lhes foram dadas para construir algo do zero, seria evidente que o que eles têm em comum é a proximidade com o poder político. O sociólogo e jurista brasileiro Raymundo Faoro expôs a noção de que o patrimonialismo não é uma disfunção do Estado, mas sim a sua razão de ser, e cujo principal objetivo é permitir que poderosos atores do setor privado que não são capazes de prosperar de forma autônoma se apropriem de vantagens e benefícios públicos. De acordo com Faoro, em seu livro Os Donos do Poder, o patrimonialismo é uma estrutura político-social que “resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo.” O patrimonialismo persiste na América Latina e todas as análises de corrupção que não considerem os laços profundos, históricos e resilientes entre entidades privadas e instituições públicas na região serão meramente incrementais.
É importante lembrar que, no processo de captura do Estado, práticas patrimonialistas podem influenciar até mesmo os responsáveis pelo combate à corrupção. Vimos exemplos disso na operação Lava Jato: o ex-procurador-geral peruano Pedro Chavarry renunciou devido a acusações de que estava obstruindo as investigações para favorecer a líder do Congresso peruano Keiko Fujimori. Na Colômbia, o ex-procurador-geral Néstor Humberto Martinez supostamente participou de um caso de suborno enquanto trabalhava como advogado para a Corficolombiana, uma sócia de menor porte da Odebrecht, antes de assumir o cargo na procuradoria. Mais recentemente, no Brasil, jornalistas investigativos do site “The Intercept” revelaram fortes indícios de que o ex-juiz Sergio Moro interferiu nas investigações da Lava Jato, explorando sua relação com promotores, fornecendo-lhes conselhos estratégicos, decisões antecipadas e fontes para o caso. Essas intervenções antiéticas e potencialmente ilegais indicam os riscos de politização dos processos judiciais, com consequências que ainda precisam ser avaliadas no Brasil e na região.
Em geral, abordagens punitivas podem aumentar a responsabilização por crimes de corrupção, mas não serão suficientes para superar a disseminação e a profundidade da corrupção na América Latina. Defensores do movimento anticorrupção e legisladores precisam encontrar maneiras de canalizar a pressão pública gerada por casos proeminentes de corrupção em apoio para reformas estruturais na política. Caso contrário, a mudança representada pelas revelações de casos de corrupção será temporária e seletiva. Esses defensores precisam conectar suas agendas a outras lutas significativas na região: combater a desigualdade social, defender os direitos humanos e fortalecer a prática democrática, entre outras. Além disso, é preciso levar em conta o fato de que o trabalho de combate à corrupção vem com consequências não intencionais. Isso pode incluir abusos políticos do poder judiciário, uma queda na confiança na democracia e um aumento no apoio a soluções autoritárias. Mais do que nunca, a luta contra a corrupção na América Latina precisa ser acompanhada — e tornar-se inseparável — da batalha pela democracia na região.
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Daniela da Silva é diretora de programação do Programa Latino-Americano da organização Open Society Foundations.
Pedro Vieira Abramovay é diretor para a América Latina e Caribe da Open Society Foundations.