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As exportações agrícolas estão em alta, mas a insegurança alimentar é maior hoje do que há uma década. O que pode ser feito?
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As exportações de alimentos estão em alta na América Latina …
… mas cerca de 1 em cada 4 pessoas não tem acesso adequado a alimentos.
Essa proporção é mais alta hoje do que há uma década …
… um paradoxo alimentar que governos, empresas e ONGs estão tentando resolver.

como resolver o paradoxo alimentar da américa latina

As exportações de alimentos estão em alta, mas a região ainda tem dificuldade de alimentar sua população. O que pode ser feito?

POR JOHN OTIS | OCTOBER 16, 2024

FOTOS DE LUCÍA MERLE

Este artigo foi adaptado da edição especial da AQ sobre segurança alimentar na América Latina| Leer en español | Read in English

TIGRE, Argentina — Lorena Hernández estaciona sua Ford em um armazém de alimentos e enche a caminhonete com tantas sacolas de purê de batata desidratado, garrafas de suco de fruta e caixas de brócolis congelado que mal sobra espaço para ela se acomodar no banco do motorista.

Hernández está levando os mantimentos, fornecidos pelo Banco de Alimentos da Argentina, para um centro comunitário em Tigre, ao norte de Buenos Aires. Embora os turistas lotem Tigre por suas lojas de artesanato, restaurantes à beira do rio e passeios de barco, o centro comunitário está localizado em uma área pobre, composta por casas de tijolos de um andar, cujos moradores muitas vezes estão desempregados — e com fome.

No centro comunitário, construído em uma antiga fábrica de carvão, meninos e meninas devoram tigelas de ensopado de carne com pão enquanto Hernández observa. Durante seus 17 anos frequentando o local, ela desenvolveu maneiras de medir como está a situação na Argentina. Quando as coisas melhoram, a demanda por refeições diminui e as crianças evitam os alimentos que não gostam, como lentilhas.

Mas, recentemente, o lugar anda sempre lotado. E as crianças não são mais exigentes.

“Agora”, disse Hernández, “elas devoram tudo.” Cenas semelhantes estão ocorrendo em grande parte da América Latina atualmente. Chame isso de paradoxo alimentar: ainda que a região produza e exporte mais alimentos do que nunca, enfrenta enormes desafios para alimentar seu próprio povo.

A América Latina tornou-se o celeiro do mundo. Nos últimos 20 anos, o valor das exportações agrícolas da região aumentou em impressionantes 500%, chegando a US$ 316 bilhões em 2022, o último ano completo com dados disponíveis. Nenhuma outra região tem um superávit agrícola maior. Ela é a fonte de mais de 60% do comércio mundial de soja, quase metade do milho e mais de um quarto da carne bovina. Três em cada quatro abacates vêm da América Latina, assim como grande parte do café mundial.

Ao mesmo tempo, cerca de 28% das pessoas na América Latina e no Caribe sofrem hoje de insegurança alimentar moderada ou grave, o que significa que não têm acesso regular a alimentos seguros e nutritivos em quantidade suficiente para uma saúde e desenvolvimento normais. Esse número caiu desde o seu pico durante a pandemia de COVID-19, mas ainda é seis pontos percentuais maior do que em 2014, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Isso significa que mais 48 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar em comparação com uma década atrás.

O paradoxo alimentar revolta pessoas como Martín Caparrós, escritor argentino e autor de “Fome”, um livro premiado que examina por que tantas pessoas passam fome em um mundo de abundância. Ele chamou a Argentina de “um caso extremo de uma situação extremamente vergonhosa.”

Mas o fenômeno ocorre em toda a região, intimamente ligado aos altos e baixos econômicos recentes. A América Latina viveu um progresso significativo na redução da pobreza e da fome durante os prósperos anos 2000, mas várias das maiores economias, incluindo Argentina e Brasil, enfrentaram recessões severas a partir de meados da década de 2010, e a Venezuela estava à beira do colapso. Depois veio a COVID, que atingiu fortemente a América Latina. Os efeitos subsequentes de desemprego, inflação e fome ainda estão sendo sentidos.

“Perdemos 15 anos com a COVID”, disse Máximo Torero, um peruano que é economista-chefe da FAO, à AQ. “Os níveis de fome que temos hoje são os mesmos de 15 anos atrás.”

A América Latina tornou-se o celeiro do mundo. Ao mesmo tempo, cerca de 28% das pessoas na região sofrem hoje de insegurança alimentar moderada ou grave.

A boa notícia é que grande parte da América Latina está gradualmente voltando ao caminho certo. Do México à Colômbia e ao Brasil, presidentes vêm declarando que o combate à fome é uma prioridade. Agências governamentais, grupos sem fins lucrativos e fundações privadas estão criando maneiras, muitas vezes inovadoras, de fornecer uma maior variedade de alimentos nutritivos a mais pessoas. O objetivo é criar um celeiro melhor, uma América Latina capaz de alimentar o mundo enquanto, ao mesmo tempo, proporciona segurança alimentar ao seu próprio povo.

UMA MISSÃO DE RESGATE DE ALIMENTOS

Grande parte do trabalho vai muito além de simplesmente distribuir comida para os mais necessitados.

Numa manhã recente em La Plata, capital provincial a 56 quilômetros ao sudeste de Buenos Aires, Sebastián Laguto estava circulando em uma caminhonete, visitando agricultores nos arredores da cidade. Seu veículo ostentava letras verdes que descreviam sua missão: “Resgatamos frutas e verduras”.

Laguto, voluntário de um banco de alimentos da região, trabalha com agricultores para resgatar laranjas, espinafres e outros produtos que estão deformados, levemente machucados ou um pouco maduros demais. Esses produtos são frequentemente rejeitados por empresas de alimentos e supermercados, mesmo sendo perfeitamente comestíveis. O governo da Argentina estima que metade de todas as frutas e vegetais do país acaba sendo jogada em pilhas de compostagem ou aterros sanitários—uma taxa de desperdício semelhante à de muitos outros países.

“O desperdício de comida poderia resolver o problema da fome”, disse Laguto à AQ. “A verdade é que há comida suficiente para todos.”

Um dos doadores frequentes para o banco de alimentos de La Plata é Nicolás Marinelli, um agricultor da região. Ele adora trabalhar com a terra—mostra orgulhosamente a tatuagem de um trator em seu bíceps direito—mas a imprevisibilidade da agricultura o afetou. Um período de calor intenso amadureceu rapidamente 2.000 quilos de brócolis, fazendo com que os compradores levassem apenas 125 quilos. Mais recentemente, um vento frio rasgou as folhas verdes e brancas de sua acelga, tornando-as impróprias para os supermercados.

“Elas não perderam nenhum de seus nutrientes”, disse ele com um encolher de ombros, observando que pelo menos o banco de alimentos aceitará seus produtos imperfeitos.

A Argentina certamente não pode se dar ao luxo de desperdiçar mais alimentos. No último ano, a inflação disparou acima de 200%, deixando muitas pessoas lutando para pagar as contas ao fim do mês. Desde que o presidente Javier Milei assumiu o cargo em dezembro, seu governo desvalorizou o peso, reduziu o quadro de funcionários do governo e cortou subsídios para eletricidade e transporte público. Isso reduziu a inflação, mas contribuiu para o aumento da pobreza, pelo menos por enquanto. A UNICEF afirma que cerca de 1,5 milhão de crianças argentinas estão agora deixando de fazer pelo menos uma refeição por dia.

Os Bancos de Alimentos da Argentina, que inclui o banco de alimentos de La Plata, foi fundado em 2001, durante a pior crise econômica da história do país. A rede agora possui 20 bancos de alimentos em todo o país, que distribuem produtos agrícolas e mantimentos doados por agricultores, empresas de alimentos e supermercados, para cerca de 4.500 grupos comunitários. O financiamento vem de várias fontes, incluindo a Fundação Citi.

O governo da Argentina estima que metade de todas as frutas e vegetais do país acaba sendo jogada em pilhas de compostagem ou aterros sanitários—uma taxa de desperdício semelhante à de muitos outros países.

“Como argentino, dói ver tanta pobreza”, disse Mario Bañiles, diretor da organização em Tandil, uma cidade a 350 quilômetros ao sul de Buenos Aires. “A coisa boa é que há muitas pessoas dispostas a ajudar a cuidar de seus vizinhos.”

Uma das beneficiadas é Daniela Sussani, uma mãe solteira de 19 anos que vive nos arredores de Buenos Aires. Seu filho de 16 meses, Bruno, tem um apetite voraz, devorando ovos, macarrão e arroz sempre que estão disponíveis.

Mas Sussani está desempregada e as prateleiras do apartamento que ela divide com sua mãe estão às vezes vazias. Então, em vez de dar a Bruno a comida sólida de que ele precisa, ela às vezes tenta amamentá-lo para que durma. Isso não funciona muito bem.

“Se ele come, dorme a noite toda. Mas se não come, ele acorda o tempo todo”, disse Sussani. “Estou preocupada com ele.”

OBSTÁCULOS TREMEDOS

Essas dificuldades recentes significam que a América Latina provavelmente não alcançará as metas de desenvolvimento sustentável da ONU de erradicar a fome e alcançar a segurança alimentar até 2030.

Um dos problemas é a questão dos preços. A FAO afirma que o custo de uma dieta saudável na América Latina e no Caribe hoje é, em média, mais alto do que em qualquer outra região do mundo. (Isso é parcialmente resultado do custo excepcionalmente elevado das importações de alimentos nas nações caribenhas). O representante da organização para a região, Mario Lubetkin, lamentou: “Estamos cada vez mais distantes de cumprir a agenda de 2030.”

José Graziano, ex-diretor-geral da FAO, que ajudou a criar o programa brasileiro amplamente elogiado “Fome Zero” no início dos anos 2000, disse que o esforço da região para exportar commodities agrícolas pode elevar os preços desses mesmos produtos básicos em casa. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores exportadores de arroz do mundo. Mas Graziano disse que o país muitas vezes não mantém o suficiente para o consumo local e acaba importando o grão, o que leva a preços mais altos para os brasileiros.

“É um sistema perverso”, disse Graziano à AQ.

Como muitas pessoas recorrem a alimentos processados e baratos, com longa vida útil e capazes de suportar longos transportes até aldeias remotas nas selvas e montanhas, o número de pessoas com sobrepeso e obesidade está em ascensão. “A América Latina agora tem duas vezes mais pessoas sofrendo de obesidade do que de fome”, disse Eugenio Díaz-Bonilla, conselheiro especial do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.

A mudança climática também é culpada, contribuindo para falhas nas colheitas e a disseminação de fungos, como a ferrugem do cafeeiro e o Fusarium TR4, que ataca as bananas. A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 elevou os preços dos fertilizantes, tornando-os inacessíveis para muitos pequenos agricultores na América Latina. Isso resultou em menores rendimentos e preços mais altos nos supermercados.

Outro fator é o número sem precedentes de pessoas em toda a região fazendo as malas e se mudando. O caso mais dramático é o da Venezuela, onde quase um quarto da população fugiu para o exterior em meio ao colapso econômico do país.

“O movimento das pessoas leva à perda de acesso a alimentos e proteção social”, disse Susana Raffalli, especialista em segurança alimentar e nutrição na Venezuela. “Isso está acontecendo em toda a América Latina.”

Diante de tais desafios, alguns governos têm sido lentos para agir ou estão ocupados demais com outras crises—desde a violência de gangues até desastres naturais—para dar à segurança alimentar a devida atenção.

Veja o caso do Peru. O país está agora no seu sétimo presidente em sete anos. Isso significou uma rotatividade constante nos ministérios, tornando muito mais difícil a implementação de programas coerentes de proteção social. Atualmente, 51% da população do Peru está em insegurança alimentar. Há uma década, essa taxa era de cerca de 38%.

Carolina Trivelli, que foi Ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social do Peru de 2011 a 2013, disse à AQ: “Se você perguntar: ‘Quem é responsável pela segurança alimentar no Peru?’ a resposta é: ninguém.”

Vários programas de distribuição de alimentos do governo foram marcados por roubo, suborno e crime organizado. O caso mais infame envolveu Alex Saab, um empresário colombiano que fornecia alimentos para um programa de distribuição na Venezuela conhecido como CLAP. Em 2019, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou Saab, alegando que ele usou contratos superfaturados do CLAP para “roubar centenas de milhões de dólares de venezuelanos famintos.” Além disso, a comida era de má qualidade. Uma análise química do leite em pó do CLAP mostrou que, para obter sua dose diária de cálcio, as crianças teriam que beber até 41 copos do produto.

Procuradores no México acusaram cerca de 90 pessoas do Segalmex, a agência governamental de segurança alimentar, em uma investigação sobre o suposto desvio de mais de meio bilhão de dólares. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro anunciou em seu discurso de posse em 2022 que o combate à fome seria sua primeira prioridade. Mas seu governo foi enfraquecido por um escândalo de corrupção envolvendo a compra superfaturada de caminhões-tanque para fornecer água potável a aldeias indígenas pobres.

“Petro fala o tempo todo sobre fome”, disse Felipe Roa-Clavijo, especialista em segurança alimentar da Universidade dos Andes, em Bogotá. “Mas ele não fez muita coisa.”

Na Argentina, Milei interrompeu temporariamente a distribuição de alimentos do governo para cozinhas comunitárias para investigar a suposta corrupção do governo anterior. Um novo escândalo eclodiu em maio, quando 5.000 quilos de leite, farinha de milho, feijão e outros produtos básicos próximos à data de validade foram descobertos em armazéns do governo em Buenos Aires e Tucumán.

“Estamos usando as mesmas ferramentas de hoje que usávamos há 10 anos. Mas a pobreza e a fome são diferentes.”Carolina Trivelli, Ministra de Desenvolvimento e Inclusão Social do Peru, 2011-2013.

VIRANDO O JOGO DA NUTRIÇÃO

Especialistas dizem que os governos latino-americanos precisam priorizar a segurança alimentar e aumentar o financiamento de programas com histórico de sucesso, como as campanhas de alimentação escolar. Eles também precisam reorganizar programas existentes—como distribuição de dinheiro e alimentos—e usar ferramentas como políticas fiscais e regulamentos nutricionais para promover uma alimentação mais saudável.

“É necessário ter uma estratégia geral e banca-la”, disse Díaz-Bonilla, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. “Caso contrário, é apenas uma lista de desejos.”

Muitos países adotaram transferências condicionadas de renda. Esses programas incentivam os pais a investir em seus filhos, mantendo-os na escola e garantindo exames médicos e vacinas. Em troca, eles recebem recursos mensais que permitem comprar, entre outras coisas, mais alimentos. A América Latina foi pioneira nos programas de transferência de renda, com o primeiro lançado no México em 1997.

Mas eles precisam ser renovados.

“Estamos usando as mesmas ferramentas hoje que usávamos há 10 anos”, disse Trivelli, a ex-ministra peruana. “Mas a pobreza e a fome são diferentes.”

Por exemplo, os moradores rurais pobres continuam migrando para as cidades latino-americanas. Mas esses recém-chegados tendem a se mover com frequência e alternar entre empregos informais, tornando mais difícil se inscrever para transferências de renda e outros benefícios.

Moradia, tarifas de ônibus, fácil acesso ao álcool e extorsão por gangues criminosas tornam as cidades mais caras—no entanto, os valores muitas vezes ainda são indexados ao custo de vida no campo. “É muito mais difícil lidar com a pobreza urbana do que com a pobreza rural”, disse Graziano, o ex-diretor-geral da FAO.

Ajustes no sistema também são necessários porque os auxílios nem sempre acabam nas mãos dos mais necessitados. Pesquisas da ONU publicadas no ano passado mostraram que pouco mais da metade de todos os beneficiários de transferências de renda na América Latina viviam acima da linha da pobreza.

Esse foi o caso no México, onde o governo de Andrés Manuel López Obrador desmantelou programas de bem-estar de longa data em favor de novos para ajudar idosos, jovens desempregados, agricultores e pessoas com deficiência. Mas os mais pobres do México acabaram recebendo uma proporção menor dos gastos sociais, de acordo com dados do governo compilados pela Associated Press. A pobreza extrema aumentou.

Os auxílios governamentais também podem fazer funcionários públicos e pessoas que trabalham com a política verem apenas o curto prazo. Com as eleições se aproximando, as transferências de renda podem gerar votos. Mas elas não devem substituir projetos que podem ter mais impacto, disse Ignacio Gavilan, diretor sênior de parcerias de sistemas alimentares da Rede Global de Bancos de Alimentos, que passou anos trabalhando na América Central e do Sul.

“No Petén, na floresta tropical da Guatemala, todos bebem Pepsi porque a água não é potável”, disse ele. “O governo prefere distribuir subsídios a construir sistemas de água.”

Para promover dietas mais saudáveis e colocar mais dinheiro nas mãos dos pequenos agricultores, as agências governamentais da Colômbia têm o mandato de comprar diretamente alimentos frescos de produtores locais. Isso elimina intermediários que conseguem levar esses produtos para mercados distantes, mas que pagam preços mais baixos aos agricultores. O congresso da Colômbia também aprovou isenções fiscais para empresas que doam aos bancos de alimentos.

Torero, economista-chefe da FAO, disse que o progresso requer melhor coordenação. Ele aponta para grandes somas desperdiçadas em projetos sobrepostos por agências multilaterais, com muitas, sem saber, “financiando a mesma coisa no mesmo país.”

A piscicultura é uma forma relativamente barata e eficiente de produzir proteínas. Mas Torero disse que os países também precisam melhorar o armazenamento e transporte, para que peixes e outros perecíveis possam chegar a mais pessoas em áreas remotas.

Para evitar duplicação, os governos poderiam integrar o socorro a desastres com programas regulares de alimentação. Na maioria dos países, a responsabilidade pela nutrição e segurança alimentar é dividida entre os ministérios da agricultura, saúde e proteção social, o que muitas vezes leva a confusão e inércia.

“Os governos poderiam nomear um responsável pela alimentação para coordenar tudo”, disse Trivelli.

Há também lições a serem aprendidas com o Brasil, que ganhou as manchetes no início dos anos 2000 por seus esforços bem-sucedidos para reduzir a pobreza e a fome durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil contou com uma combinação robusta de transferências de renda, alimentação escolar e outros programas, ao mesmo tempo em que montava um banco de dados abrangente de famílias em risco. Este cadastro único nacional permitiu que as agências governamentais ampliassem rapidamente a assistência durante a pandemia de COVID-19 e outras emergências, disse Mary Arends-Kuenning, demógrafa econômica da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, que realizou extensas pesquisas no Brasil.

“A fome não é natural. É, acima de tudo, resultado de escolhas políticas.” —Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva

Quando Lula voltou à presidência para um terceiro mandato no ano passado, ele retomou de onde parou. Ele restabeleceu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil, baniu alimentos ultraprocessados do programa de alimentação escolar e aumentou os gastos com esse programa em 35%.

E a verdade é que direcionar mais dinheiro para a luta contra a fome faz sentido econômico. Pesquisas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU e do Programa Mundial de Alimentos descobriram que custaria aos países 1,5% do seu PIB anual para fornecer alimentos saudáveis às pessoas necessitadas. Em contraste, o custo de não fazer nada—em termos de assistência médica e produtividade perdida—seria de 6,4% do PIB.

Lula endossou essa abordagem em uma cúpula em julho no Rio de Janeiro, na qual propôs a formação de uma aliança global contra a fome.

“A fome não é natural”, disse ele em um discurso. “É, acima de tudo, resultado de escolhas políticas.”

a dependência dos bancos de alimentos

“Este país produz muito, mas tudo é tão caro.” —Yanet Lozano

Yanet Lozano não sabe a quem culpar. Mãe solteira de três filhos pequenos, ela ganha $400 por mês limpando casas nos bairros mais ricos de Tigre, mas disse que a inflação torna quase impossível alimentar sua família. Prendendo roupas no varal do quintal em seu dia de folga, Lozano, que tem 31 anos, disse: “Este país produz muito, mas tudo é tão caro.”

Seu ânimo melhora quando o assunto é o centro comunitário, aquele administrado por Lorena Hernández, convenientemente localizado a algumas quadras de distância. Na cozinha, os cozinheiros transformam batatas, macarrão, cenouras e outros mantimentos fornecidos pelos Bancos de Alimentos da Argentina em refeições simples, mas nutritivas.

Lozano às vezes manda os filhos para a cama tendo comido apenas chá e pão, mas no centro, pelo menos, eles têm um almoço consistente. Ela acrescentou: “Não sei o que faríamos sem isso.”


Otis é um escritor e jornalista que mora na Colômbia. Ex-chefe da sucursal da América do Sul do Houston Chronicle, seu trabalho foi publicado na NPR, Time, The New York Times e The Wall Street Journal.

Merle é uma fotojornalista radicada em Buenos Aires. Seu trabalho foi publicado pela Getty Images, Financial Times e AP, assim como várias organizações de notícias na Argentina.



Tags: Food and agriculture, Food Security
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