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Fermentando um reavivamento urbano em Porto Alegre

Reading Time: 5 minutesAs microcervejarias estão ajudando a revitalizar o Distrito 4, uma área de Porto Alegre há muito negligenciada.
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Jefferson Bernardes

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Este artigo foi adaptado da edição impressa da AQ sobre como melhorar as cidades da América Latina | Read in English | Leer en español

O motorista do Uber hesitou antes de permitir que suas duas jovens passageiras saíssem do carro na frente da antiga fábrica de metal cavernosa. “Ele ficou com medo”, lembra a decoradora Priscila Lougue, de 33 anos. “Duas mulheres entrando em um armazém em uma área tão feia? Ele nos perguntou: “Que tipo de lugar é esse?”

Era um pub e microcervejaria  —  o tipo de negócio que está ajudando a transformar o Distrito 4, uma área bem localizada, mas há muito negligenciada, de Porto Alegre. Nesse modelo pouco ortodoxo de revitalização urbana, um público jovem consome à noite as cervejas artesanais produzidas por um grupo um pouco mais velho durante o dia. Et voilà: uma região repleta de prédios industriais abandonados ganha nova vida.

Lougue e a amiga, Bianca Santos, estavam indo provar alguns dos 20 tipos de cervejas de barril no 4Beer, um bar que liderou o renascimento da bebida na região em 2016. Na época, os irmãos Rafael e Daniel Diefenthaler, que fundaram o 4Beer com outros dois sócios, enfrentaram um cenário de desolação. “À noite, parecia um filme de faroeste, com as bolas de palha rolando pelas ruas”, diz Rafael.

O dilema — como encorajar o desenvolvimento em áreas centrais, em vez de permitir que as cidades continuem se expandindo de forma desordenada — está entre os desafios que os líderes políticos vêm enfrentando em toda a América Latina desde pelo menos a década de 50, quando os centros urbanos da região começaram a crescer a um ritmo vertiginoso.

O distrito 4 é, em muitos aspectos, um exemplo disso. A área começou a atrair fábricas no fim do século XIX, e os imigrantes alemães e seus descendentes fincaram raízes nessa terra propensa a inundações ao norte do centro da capital gaúcha. A região prosperou até meados do século XX. Mas, na década de 70, as fábricas começaram a se mudar para áreas suburbanas da cidade, levando essa região estrategicamente localizada — entre o aeroporto e o centro da cidade, e bem servida pelo transporte público — ao quase abandono.

“Desde que o Distrito 4 entrou em decadência, as pessoas vêm falando sobre seu renascimento”, diz Rodrigo Corradi, diretor de Resiliência da cidade, título criado quando Porto Alegre se uniu ao programa 100 Cidades Resilientes, criado pela Fundação Rockefeller. “A cidade não vai avançar se o Distrito 4 não avançar.”

Projetos de renovação urbana na América Latina fracassam com frequência, mas há histórias de sucesso: a antes sombria região de Puerto Madero, em Buenos Aires, foi totalmente revitalizada nos últimos 20 anos, e hoje conta com edifícios residenciais modernos. Um projeto bem-sucedido em Quito conseguiu preservar a história e dar vida nova ao centro histórico da cidade.

Porto Alegre demorou para acompanhar esse progresso. Um esforço abrangente foi iniciado em 2016, quando a cidade encomendou um plano de revitalização a Benamy Turkienicz, um arquiteto da universidade federal gaúcha. Sua equipe, Masterplan 4D, propôs uma espécie de meio-termo entre Puerto Madero e Quito, mantendo o perfil discreto do Distrito 4, e incluindo a construção de novas instalações para três das universidades da cidade mais necessitadas, além de museus, um hospital e um centro administrativo do governo. O plano também previa o redirecionamento de grande parte do tráfego das vias rápidas para os ônibus ao longo da Avenida Farrapos, permitindo uma conexão direta entre o lado mais residencial do distrito no leste e a moribunda área industrial no oeste.

Mas o Brasil atravessava uma crise financeira e, quando o plano estava finalizado, Porto Alegre elegeu um novo prefeito de centro-direita, Nelson Marchezan Júnior, que preferia uma abordagem mais dirigida ao setor privado. No âmbito do programa de resiliência, a cidade garantiu US$ 150.000 do Banco Mundial para financiar uma equipe de consultores da Deloitte encarregada de modificar o plano de desenvolvimento.

Esse relatório só deve ficar pronto no fim deste ano, mas “a vida continua enquanto você faz planos”, diz Corradi. “A área renasceu.”

Embora o distrito ainda seja mais conhecido por seus prédios vazios, oficinas mecânicas e pontos de prostituição, há sinais de mudança. Três edifícios residenciais elegantes foram construídos há alguns anos. O Distrito Criativo de Artistas e Empreendedores deu vida nova ao extremo sul da área, que também conta com a Associação Cultural Vila Flores. Mas é a cerveja que está alimentando a revitalização das quadras mais dilapidadas.

Não só cerveja — mas cerveja de boa qualidade. Apesar da herança em grande parte alemã de Porto Alegre, a maioria de seus 1,5 milhões de habitantes prefere as cervejas produzidas industrialmente e não sabe distinguir uma boa IPA vermelha de uma Ale inglesa com um toque extra de caramelo. Os irmãos Diefenthaler também não sabiam, mas isso mudou em 2008, quando eles viajaram para Londres e se apaixonaram pela cerveja britânica.

“Quando voltamos, já não dava para beber a cerveja aguada brasileira”, diz Rafael.

Eles começaram a produzir cerveja em casa e finalmente criaram a cerveja Deifen Bros, que fabricavam em um espaço de 70 metros quadrados na zona sul da cidade. Logo apareceram Caio de Santi e Cristiano Santos que, depois de ganhar um prêmio nacional por uma stout de aveia feita em casa, contrataram os irmãos para fabricá-la sob a marca Polvo Loco.

O espaço que tinham era pequeno e o aluguel, alto. Então os quatro jovens empreendedores começaram a planejar um pub e microcervejaria. De Santi viu uma placa de “Aluga-se” na antiga fábrica de metais — que, antes de fechar as portas, produzia mobiliário hospitalar — e logo os quatro sócios fecharam contrato para alugar um espaço nove vezes maior que o antigo local dos irmãos Diefenthalers, com apenas o dobro do custo.

Dois meses depois que o 4Beer abriu suas portas, em abril de 2016, o Distrito 4 ganhou seu segundo pub e microcervejaria, o Distrito. Desde então, mais de dez marcas de cerveja com nomes imaginativos como Suricato (Meercat), Al Capone e Fellas se estabeleceram, fabricando localmente ou utilizando um dos amplos espaços do distrito para seus armazéns e escritórios. Outros negócios fora do ramo da cerveja também floresceram, entre eles o Agulha, um bar badalado de coquetéis e música, aberto há um ano em um antigo depósito de barcos. Marcelo Schambeck, um dos melhores chefs da cidade, abrirá em breve um novo restaurante, Capincho, no Distrito 4.

Em uma tarde de agosto em um armazém de três andares entre um fornecedor de gás e uma auto-elétrica, Carlos Hirschmann Almeida, de 60 anos, observava um refratômetro para medir o teor de açúcar de um lote de teste de uma IPA em sua microcervejaria Fellas Beer.

“Aqui era, e ainda é, uma área perigosa”, disse ele. “Mas estamos fazendo a nossa parte. As cervejarias estão começando a abrir suas portas, trazendo atividade, empregos, impostos, pessoas. E tudo isso leva à revitalização do bairro.”

Com financiamento do governo escasso, os sócios da 4Beer se uniram a outros proprietários de empresas locais e arrecadaram cerca de R$130.000 (US$ 31.000) para reparar sistemas municipais de bombeamento de água que já não eram usados, causando inundações. A Agulha está preparando uma campanha de crowdfunding para pavimentar ruas, melhorar a iluminação pública e embelezar a área.

Naquela mesma noite de agosto, a fila para entrar na Agulha se estendia pelo quarteirão. O Distrito estava lotado de fãs da banda de blues que toca toda quinta-feira. A 4Beer estava organizando uma degustação de queijos e uma festa-surpresa. Lougue e Santos, as duas jovens que haviam preocupado o motorista do Uber semanas antes, estavam de volta. Para Santos, a cervejaria e o bairro são uma novidade. “Olhando da rua”, disse, “você nunca imagina o que tem dentro”.

Corradi, o diretor de resiliência da cidade, diz que implorou aos consultores da Deloitte que incorporassem os empreendedores em qualquer plano. “Não podemos sufocar essa indústria que nasceu sem a ajuda do governo, sem incentivo”, diz ele. “Temos que apoiar esses jovens.”

Kugel é um colaborador frequente do The New York Times. Seu livro, Rediscovering Travel: A Guide for the Globally Curious (Redescobrindo viagens: Um guia para os globalmente curiosos, em tradução livre) será lançado em novembro pela W. W. Norton & Company.

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Seth Kugel is a frequent contributor to The New York Times. His book, Rediscovering Travel: A Guide for the Globally Curious, is due out in November from W. W. Norton & Company.

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