RIO DE JANEIRO — O feed mais importante do Twitter na capital carioca hoje em dia é chamado Onde Tem Tiroteio. Numa tarde recente, no espaço de poucas horas, ele enviou os seguintes alertas para seus 36.000 seguidores:
“Tiros sendo ouvidos em Botafogo, próximo ao Santa Marta e a Cobal. Atenção na região.”
“Granada jogada na passarela próxima ao Túnel Zuzu Angel. Evitem o túnel.”
“Muitos tiros ouvidos nas proximidades do Largo do Humaitá, oriundos lá da mata. Atenção na região.”
“Tiros na Rua 2 na Rocinha, base da polícia atacada a tiros na região.”
“Pedimos que na data de hoje evitem ir à Vista Chinesa no Jardim Botânico. Relatos que homens armados foram vistos na região.”
Não é apenas no Rio — a violência em todo o país está fora de controle, e tem sido assim por muitos anos. A esta altura, as estatísticas soam familiares: cerca de 60,000 homicídios são registrados a cada ano, um a número de mortes mais alto que o causado pela guerra civil da Síria. Acredita-se que cerca de uma em cada dez mortes por armas no mundo ocorre no Brasil. Mas, em meio à carnificina, algo novo está acontecendo: os brasileiros parecem cada vez menos dispostos a tolerá-la. Antes das eleições de 2018, muitos dizem que votariam por um candidato autoritário, se isso significar que eles terão mais segurança nas ruas. Cerca de 35 por cento dizem que até apoiariam um golpe militar. Problemas relacionados à lei e à ordem podem definir quem será o próximo presidente do Brasil, até mais que a paralisia econômica que assola o país.
Atualmente, o único candidato de peso que aborda de forma proeminente a violência é Jair Bolsonaro, um ex-capitão do exército que transformou a apologia da ditadura que governou o país entre 1964 e 1985 em seu principal ponto de atração. As políticas propostas por Bolsonaro, que incluem afrouxar as leis de porte de armas e dar aos policiais carta branca para matar criminosos suspeitos, horrorizam a maioria dos especialistas em segurança, que advertem que elas só causarão um aumento no derramamento de sangue. Alguns comparam Bolsonaro com Rodrigo Duterte, o líder filipino cuja “guerra contra as drogas” já reivindicou pelo menos 7.000 vidas. Seus comentários sobre questões ligadas à comunidade LGBT, estupro, raça e tortura também apavoram muitos. No entanto, as promessas de Bolsonaro de que vai liderar uma repressão ao crime, além da profunda frustração com uma classe política considerada corrupta e egoísta, ajudaram a catapultá-lo ao segundo lugar nas pesquisas, com uma chance clara de disputar um segundo turno.
Passe vários dias no Rio, como fiz na semana passada, e você começa a entender o desespero dos eleitores. Os homicídios na cidade e no Estado aumentaram 16 por cento este ano, as guerras entre gangues escalaram para novos patamares em inúmeros bairros e o exército teve de ser acionado para patrulhar as ruas. Os pais estão proibindo seus filhos de ir para a escola por causa dos tiroteios. Na terça-feira, Marcelo Luis da Silva Galvão tornou-se o 106o policial do Estado do Rio de Janeiro a ser assassinado a tiros este ano. Até mesmo as escolas de samba reprogramaram os ensaios pré-carnaval para que seus membros possam correr para casa antes da meia-noite. Todo mundo no Rio parece andar mais rápido hoje em dia; e quase ninguém acredita que haverá solução num futuro próximo. Em uma pesquisa publicada na semana passada, 90% dos moradores disseram que se sentem inseguros à noite; 72% disseram que gostariam de poder abandonar a cidade por causa da violência.
As autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei, em particular, apoiam Bolsonaro, diz Robson Rodrigues da Silva, ex-comandante da polícia militar do Estado do Rio. “Ele oferece a promessa de uma solução fácil, por mais perigosa que seja”, diz ele. “Bolsonaro toca os corações dessas pessoas, onde está doendo”. Rodrigues diz que uma pesquisa interna recente detectou que 60 por cento dos policiais que atuam em regiões críticas com altos índices de crimes estão psicologicamente tão traumatizados que sua capacidade de tomar decisões foi afetada. “Imagine o que significa realmente viver lá”, diz ele.
A lição parece clara: outro candidato na disputa presidencial precisa oferecer uma alternativa viável, sã e democrática — uma estratégia de segurança que respeite os direitos humanos, mas que também seja ambiciosa e abrangente o suficiente para reduzir drasticamente a violência em todo o país.
Parece óbvio, não?
Mas quando esta ideia é proposta a políticos de carreira, a tendência é ouvir uma de várias respostas insatisfatórias.
Uma delas é rejeitar a realidade. Muitos qualificam os problemas do Rio como isolados à cidade – atribuindo-os a uma fase negativa pós-Jogos Olímpicos, ou à crise econômica impulsionada pelo petróleo. Mas a taxa de homicídios da cidade em 2016 (cerca de 30 mortes para cada 100.000 habitantes) não é muito maior que a registrada no Brasil como um todo. Outras cidades importantes, incluindo Natal (70), Belém (67) e Salvador (55), registram taxas de homicídio bem maiores — e não é de surpreender que o apoio de seus eleitores ao autoritarismo também esteja em alta. Enquanto isso, à medida que a febre nacional aumenta, muitos estão abraçando a noção de que, mesmo nesta era das redes sociais, se Bolsonaro for simplesmente ignorado ou marginalizado, ele vai desaparecer (uma estratégia que não funcionou com Donald Trump, certo?).
Outra é a convenção política. A Constituição brasileira de 1988 estipula que a segurança é, em grande parte, responsabilidade dos governos estaduais. Esta tem sido uma boa desculpa para todo presidente brasileiro lavar as mãos desde então. Dilma Rousseff (2011-16) teria supostamente recusado até mesmo ouvir o plano de redução de homicídios do ministro da Justiça, alegando que essa não era uma questão federal; Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) encomendou duas estratégias nacionais para combater a criminalidade, mas nunca as colocou em ação; Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) mais tarde chamou a questão da segurança uma das maiores falhas da sua presidência. Em meio a tudo isso, os brasileiros permanecem presos entre uma esquerda que acredita que a aplicação efetiva da lei equivale a uma repressão ao estilo da ditadura e uma direita que pensa que a resposta é enviar tropas de choque às favelas para disparar em qualquer coisa.
A visão final — lamento dizer — é elitismo puro e podre. A maioria dos políticos do Brasil vive em condomínios ou casas com muros altos, protegidos por arame farpado e segurança privada. Para eles, os homicídios não passam de rumores distantes, um problema do “povão”. Mesmo na semana passada, ouvi de políticos em conversas privadas que os pobres realmente não se preocupam com a violência — na verdade, eles votarão para o candidato que derem as recompensas mais generosas. Isso até pode ter sido verdade no passado, mas não leva em consideração as tendências atuais. A classe média do Brasil se expandiu em cerca de 35 milhões de pessoas nas últimas duas décadas; a intolerância crescente dessa classe a práticas que eram comuns antigamente já provocou mudanças sísmicas na política nacional. Na última pesquisa do Datafolha, o percentual que cita a violência como o pior problema do Brasil dobrou desde dezembro; apenas o desemprego, a corrupção e a saúde foram vistos como mais urgentes.
Que a classe política brasileira continue a tratar a violência como um problema de outras pessoas, ou algum tipo de tabu, não é apenas imoral, é suicídio político. A crise é tão severa que todas as soluções deveriam estar sendo consideradas, desde que sejam democráticas e respeitem a vida humana. As possibilidades incluem uma reforma da Constituição para que maior responsabilidade seja conferida ao governo federal; uma fusão entre as forças policiais civis e militares; e uma reforma fiscal abrangente que dedique mais recursos (incluindo tecnologia) à aplicação da lei e menos dinheiro para áreas como o plano de aposentadorias do setor público. Rodrigues da Silva, o ex-comandante da polícia, está entre aqueles que sugerem dirigir a polícia para se concentrar menos na interdição de drogas e mais na redução de crimes violentos. Melhorar a educação e reduzir a desigualdade certamente também são fundamentais, mas a experiência recente prova que essa abordagem não é suficiente.
Os candidatos presidenciais não deveriam ter medo de abraçar metas ambiciosas para combater os homicídios — o Instituto Igarapé, um centro de estudos com sede no Rio, sugere que eles se comprometam com a uma redução de 50% na próxima década. Em vez de engavetar esses planos, eles deveriam falar sobre a violência urbana com compaixão, honestidade e uma determinação inabalável. As duas outras alternativas — manter o status quo ou permitir a ascensão de um Duterte brasileiro — são absurdas demais para serem contempladas.