Politics, Business & Culture in the Americas
Web Exclusive

Na América Latina, enquanto diminui a pobreza, aumenta a violência. Por quê?

Reading Time: 5 minutesO crescimento econômico não é suficiente para deter a criminalidade violenta, mas políticas corretas – e liderança – podem fazer a diferença.
Reading Time: 5 minutes

Photo Courtesy of Camilo Mosquera (Flickr). All Rights Reserved

Reading Time: 5 minutes

Read in English

Os índices de pobreza na América Latina e no Caribe atingiram seus níveis mais baixos em muitas décadas; por que, então, a violência continua acima do esperado? Embora alguns países estejam em situação pior que outros, a região como um todo apresenta as mais altas taxas de homicídio do mundo. Tal relação é intrigante e parece um contrassenso. Pesquisadores tendem a esperar uma relação inversamente proporcional entre melhorias no bem-estar dos pobres e reduções nos índices de crimes violentos.

Em primeiro lugar, as boas notícias: a maioria dos países da América Latina e do Caribe vem apresentando reduções drásticas em seus índices de pobreza desde o ano 2000. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, dos 580 milhões de habitantes da região, 25,3% vivem em situação de pobreza – ao passo que, até recentemente, tal índice era de 41,7%. Em termos absolutos, isso significa que, pelo menos, 56 milhões de pessoas superaram a linha da pobreza entre 2001 e 2012. Durante esse período, não foram somente as rendas que subiram – a saúde e a educação também melhoraram.

Agora, as más notícias: algumas áreas da América do Sul e da América Central apresentam os mais altos índices de homicídio do planeta. Embora os prolongados conflitos na Colômbia e no Peru venham perdendo força, é assustadora a escala da violência letal na região. A América Latina e o Caribe abrigam 8 dos 10 países mais violentos do mundo, e 40 das 50 cidades mais perigosas. Quatro países apenas – Brasil, Colômbia, México e Venezuela – são responsáveis por 1 em cada 4 mortes violentas anuais no mundo todo.

Nem sempre foi assim. Apesar das guerras civis e ditaduras brutais em alguns Estados da região, os índices de homicídio mantiveram-se próximos à média global durante as décadas de 60 e 70. Desde então, tais índices apresentaram declínio na maioria dos outros países do mundo. Todavia, apesar de raras exceções, homicídios, ataques violentos e vitimização pioraram em toda a região da América Latina e Caribe.

A relação exata entre pobreza e homicídios ainda permanece um mistério.

Parte do problema é a falta de consenso sobre a definição de “pobreza”. Para começar, é mais que somente uma simples medida material. Embora milhões de latino-americanos e caribenhos na base da pirâmide social tenham percebido aumentos reais em suas rendas, a qualidade do crescimento econômico foi ruim. Em muitos países, a redução da pobreza baseou-se em um modelo que promovia o consumo. Com frequência, as quedas nos índices de pobreza resultaram diretamente de programas de transferência de renda e do acesso a empregos mal remunerados em regime de meio período. Isso resultou em uma baixa mobilidade social.

Segundo os especialistas, há uma vasta gama de fatores por trás do aumento da violência, tais como:

Desigualdade persistente. Sabemos que quanto mais desigual for um ambiente, maiores os índices de violência. A América Latina exibe a distribuição de renda mais desigual do mundo, e 10 dos 15 países mais desiguais do planeta encontram-se nessa região. Embora a desigualdade tenha se reduzido em muitas partes da América Latina e do Caribe nos últimos anos, esses avanços vêm se estagnando. O Banco Mundial e o Banco de Dados Socioeconômicos para a América Latina e o Caribe (SEDLAC) recentemente detectaram inversões nas tendências de desigualdade em algumas áreas do Triângulo Norte da América Central e na Região Andina.

Desemprego juvenil. Cerca de 13% dos 108 milhões de jovens da América Latina e do Caribe (idades de 15 a 24 anos) estão desempregados. Esse índice é três vezes superior ao verificado entre adultos na mesma região, e, dos que trabalham, mais de 50% estão vinculados à economia informal. Em termos absolutos, mais de 20 milhões de jovens não têm acesso a educação, treinamento ou empregos. Quanto mais jovens do sexo masculino estiverem desempregados, maiores os índices de violência. No Brasil, um aumento de 1% na quantidade de homens desempregados resulta em um pico de 2,1% nas taxas de homicídios.

O chamado “crime aspirante”. Os que cometem homicídios e suas vítimas são, em geral, jovens desempregados, que não frequentam escolas e não têm opções. Conforme observou o economista Gary Becker em 1968, a percepção dos criminosos aspirantes é que os benefícios de seus crimes superam os custos em potencial. Cientistas sociais demonstraram como horizontes profissionais limitados estão associados a uma redução nos custos de oportunidade das atividades criminosas. O desemprego também está associado a um aumento no envolvimento com gangues.

Falhas contínuas nas instituições jurídicas e de segurança. Instituições violentas, corruptas e ilegítimas podem alimentar a criminalidade. Ao mesmo tempo, uma fraca capacidade institucional faz com que a lei e a ordem permaneçam associadas ao apadrinhamento e à impunidade. Na América Latina, apenas 20 em cada 100 homicídios resultam em condenações (a média global é de 43%). Muitas falhas institucionais podem ser explicadas pelo legado de conflitos e regimes militares em países como Argentina, Colômbia, El Salvador e Haiti. Muitas instituições militares e policiais continuam a atuar com uma mentalidade de guerra. Alguns países abrigam estruturas clandestinas em suas forças armadas, serviços de inteligência e Poderes Judiciários. Na Guatemala, por exemplo, grupos paramilitares de direita ainda permanecem em atividade e gozam do apoio de elites poderosas.

Crime organizado – especialmente em atividades de narcotráfico. Todos os países da América Latina e do Caribe são afetados, de alguma maneira, pelas atividades de organizações criminosas, especialmente os cartéis de drogas, que administram uma receita equivalente a $330 bilhões por ano. Em muitos países, tais grupos possuem penetração em todos os poderes do Governo. Afinal, um Estado enfraquecido é uma dádiva para o crime organizado, e corromper instituições públicas é muito mais eficaz que combatê-las.

Há, também, outras razões por trás do aumento da violência, tais como a urbanização desordenada (o que explica parcialmente o aumento nos índices de homicídio em cidades grandes e médias, bem como em áreas de favelas) e a abundância de armas de fogo ilegais (incluindo as que são contrabandeadas dos Estados Unidos e aquelas obtidas em território nacional). Algumas pessoas também culpam normas sociais que sancionam o machismo: a desigualdade nas relações de gênero é considerada uma das causas dos altos índices de violência doméstica e entre parceiros íntimos.

É uma longa lista de desafios. O que podem fazer, então, os formuladores de políticas públicas?

Os líderes precisariam, pelo menos, consolidar as conquistas realizadas nas áreas de redução da pobreza, da desigualdade e do desemprego crônico. De maneira mais concreta, eles poderiam “dobrar a aposta” nas políticas elaboradas para reduzir a desigualdade, principalmente iniciativas que visam a manter os jovens nas escolas e no mercado de trabalho. No México, os programas de transferência condicional de renda e de redistribuição levaram a reduções nos homicídios e na violência sexual em níveis estadual e municipal. No Brasil, transferências condicionais de renda e iniciativas habitacionais – tais como os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida – geraram impactos positivos na redução da pobreza e da criminalidade juvenil.

Ao mesmo tempo, investimentos públicos e privados em segurança vêm apresentando resultados promissores. Uma supervisão civil transparente das instituições militares, policiais e jurídicas da região é um pré-requisito para a restauração de sua credibilidade e legitimidade. Da mesma forma, uma melhoria na coleta de dados sobre a criminalidade também leva a um policiamento mais inteligente e a uma maior eficiência na aplicação da justiça. São tarefas profundamente desafiadoras, cuja realização demanda uma liderança corajosa. A verdadeira questão é se os cidadaos da América Latina e do Caribe estão prontos para, finalmente, reverter a situação.

ABOUT THE AUTHOR

Reading Time: 5 minutes

Muggah is a co-founder and research director of the Igarapé Institute, a leading think tank in Brazil. He is also co-founder of the SecDev Group and SecDev Foundation, digital security and risk analysis groups with global reach. 

Follow Robert Muggah:   LinkedIn   |    X/Twitter


Tags: Brasil, Crimen, violência
Like what you've read? Subscribe to AQ for more.
Any opinions expressed in this piece do not necessarily reflect those of Americas Quarterly or its publishers.
Sign up for our free newsletter